Wednesday 21 November 2012

Uma universidade aos gatos

Faço doutorado em Física na Universidade Ben-Gurion do Negev, em Beer Sheva. Há uma semana a universidade está fechada por causa dos constantes ataques que Beer Sheva sofre. Essa paralização afeta mais de 15 mil estudantes, bem como cerca de 3 mil funcionários.


Abaixo um vídeo sobre a situação na universidade:


Quase todos os edifícios da universidade são de concreto, e não é difícil encontrar refúgio quando toca uma sirene. Aliás, há salas protegidas contra mísseis em todos os andares de todos os edifícios, e a sinalização é muito boa. A sala protegida do meu andar fica bem na frente da sala dos doutorandos onde tenho minha mesa, e quando toca a sirene metade do departamento se encontra lá pra bater um papo estranho de alguns minutos.

O que fazem os seguranças que ficam no portão de entrada da universidade, longe de todos os prédios? Nesses dias eles ganharam o seu próprio refúgio. Minutos após a instalação do tubo de concreto a sirete tocou mais uma vez e lá foram todos se esconder:
 

Eu já estive presente na universidade durante diversos ataques dos foguetes. Não em "tempos de guerra" como agora, mas em "tempos de paz", quando alguns poucos foguetes podem ser lançados de Gaza em um atrito de poucas horas ou dias, normalmente sem muita divulgação da mídia fora de Israel. Já fui pego diversas vezes na minha sala no departamento de física (a 5 passos do refúgio), no laboratório, andando por aí indo almoçar. Teve uma vez que eu queria ir a uma palestra no auditório e os ingressos haviam terminado. Meia hora antes da palestra teve um foguete, e eu fiquei feliz(!), porque provavelmente alguém faltaria à palestra eu eu poderia ter um lugar para sentar (foi exatamente o que aconteceu).

Um aluno da universidade está fazendo um video log nesses tempos de guerra, confiram:


Leia mais a respeito em
The Times of Israel - For the flagship university of southern Israel, sirens replace bells

Tuesday 20 November 2012

Eufemismos

Alguém anônimo me deixou o seguinte comentário no blog:
Yair, olha a "pérola" que foi publicado pela Piauí e no Estado de São Paulo. O link encontra-se abaixo. Quem é esse cara?
Por que ele tem tanto ódio de si mesmo?
http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-20/anais-da-imprensa/vocabulario-do-jornalismo-israelense
O texto é de autoria de Yonatan Mendel, de Maio de 2008. Pelo que encontrei no Google, Mendel publica artigos de opinião no Haaretz, mas não sei nada mais a respeito.

Eu gostei do artigo. Aliás, gostei bastante. Recomendo a todos que o leiam. Só pra dar um gostinho:
O Exército israelense nunca mata ninguém intencionalmente, muito menos comete homicídio – uma situação a qual qualquer outra organização armada invejaria. Mesmo quando uma bomba de 1 tonelada é jogada sobre uma densa área residencial de Gaza, matando um homem armado e catorze civis inocentes, inclusive nove crianças, ainda assim não são mortes intencionais nem homicídios: são assassinatos dirigidos. Um jornalista israelense pode dizer que os soldados das FDI atingiram palestinos, ou que os mataram, ou que os mataram por engano, e que os palestinos foram atingidos, ou foram mortos ou mesmo que encontraram a morte (como se estivessem procurando), mas homicídio está fora de cogitação. A conseqüência, quaisquer que sejam as palavras usadas, foi a morte, nas mãos das forças de segurança israelenses, desde o início da segunda intifada, de 2 087 palestinos que nada tinham a ver com a luta armada.
Não acho que Yonatan Mendel tenha ódio de si mesmo. Sou ávido consumidor da mídia israelense, e posso testemunhar que é assim mesmo. No artigo de Mendel não encontrei uma citação a um eufemismo usado pelo jornalismo israelense que me parecesse estranha.

Israel não está acima de qualquer crítica. Conheço defensores incondicionais de Israel, que varrem para baixo do tapete toda notícia ou fato inconveniente. Ninguém está se fazendo nenhum favor fechando os olhos aos dados trazidos pelo texto de Mendel. Tendo dito isso, antes que me chamem de 'judeu-que-odeia-a-si-próprio' ou 'esquerdista-safado-pró-palestino', digo que na minha opinião a maior parte do sofrimento do povo palestino é responsabilidade dos próprios líderes palestinos. Eu não precisava fechar o texto dizendo isso, poderia parar antes, mas agora já escrevi estas palavras e me deu dó de apagar.

Monday 19 November 2012

Curtas

É impossível deter terroristas
Haaretz, 19/11/2012, Moshe Arens, ex-Ministro da Defesa e ex-Ministro do Exterior
em hebraico
em inglês [pago]
O fato de que depois de cada confronto vem um época de calma relativa não necessariamente indica que os terroristas, que lembram os golpes que levaram da última vez, foram dissuadidos [deterred]; Isso pode indicar que eles estão aproveitando o tempo para renovar seus estoques de arma e conseguir mais foguetes de longo alcance, para o próximo embate. É isso que aconteceu em Gaza e é isso o que acontece com o Hizballa no Líbano. Uma considerável superioridade militar pode dissuadir países, mas terroristas pelo jeito não se pode dissuadir. Os seus objetivos não tem limites e o horizonte de seus planos tendem à eternidade.

BUM!
Na língua hebraica destes dias já não se encontra mais a palavra explosão (פיצוץ - pitzutz), só se diz 'bum', e no plural 'bumim'. Eu mesmo já foi contaminado com a moda. Hoje mesmo fui à casa de um amigo, toquei o dlin-dlon, ele abriu a porta, o seu au-au me recebeu efusivamente, entrei e fui oferecido um copo de psssst.

Hackers atacam Israel
O site de cupons israelense groupon.co.il foi invadido por hackers paquistaneses. Parte da mensagem deixada é
Your war on Gaza will make you cry blood and let the next few days prove that to you ! ....
And let know that the possible options before the Zionist soldier entered Gaza are four options, no more!
1- Either will be killed 2- or will be captivated 3- or will be handicapped 4- or will be mentally ill
~ Our last words to all fucking Israelis and fucking Jews !! ~

Chegou a hora da diplomacia
Haaretz, 19/11/2012, Ami Ayalon, antigo chefe do Shin Bet (shabak).
em hebraico
Aprendemos que não é possível eliminar uma organização terrorista por meio de força militar. O braço militar do Hamas se nutre de um amplo apoio popular, que o dá legitimação e recursos para as atividades militares. Portanto o golpe mais duro no Hamas será a sua desconexão de sua base de apoio popular que hoje ele tem. É esse o objetivo de longo prazo que Israel deve ter.
A desconexão do apoio popular do Hamas militar-terrorista exige uma ação em duas vias: o combate deve seguir para que não se fortaleça o prestígio do Hamas aos olhos da população palestina, e em paralelo deve-se oferecer ao público palestino a alternativa política, que lhe será preferível ao caminho que o Hamas o conduz.

Saturday 17 November 2012

Minhas impressões de Impressions of Gaza

Recebi alguns comentários sobre o post Terror é... dizendo que fui parcial, e que mencionei apenas o terror que israelenses sofrem, e nada do terror que palestinos sofrem por parte de Israel.

Antes de mais nada, isso aqui é um blog, e contei no post mencionado apenas experiências que tive em primeira mão. Parcial? Claro, não nego. Essa é toda a ideia do blog. Em momento algum neguei o sofrimento dos palestinos, contei apenas o meu ponto de vista, pois acho importante que isso faça parte do diálogo.

Meu amigo Henrique me passou um link para um artigo de Noam Chomsky entitulado Impressions of Gaza, de 4 de Novembro de 2012. No artigo Chomsky enumera sistemáticas violações dos direitos humanos e da lei internacional por parte de Israel.

Então vamos lá:

Eu não defendo as atitudes dos governos de Israel de olhos fechados. Não acho que os judeus sejam o povo escolhido. Não repito o mantra de que o exército de Israel é o mais ético do mundo. Nenhuma terra é santa, e uma vida humana certamente vale mais que uma rocha.

O texto de Chomsky é bem escrito e apresenta opiniões e fatos. Não vou fact-check os fatos, assumirei que são verdadeiros. O que está faltando nesse texto certamente é um pouco olhar crítico. Chomsky escreve
"Punishment of Gazans became still more severe in January 2006, when they committed a major crime: they voted the “wrong way” in the first free election in the Arab world, electing Hamas"
 Faltou dizer que uma das primeira medidas do Hamas em Gaza foi matar a oposição. Viva a democracia.

Faltou dizer que na introdução do tratado de fundação do Hamas, de 1988, está escrito que
Israel existirá e continuará existindo até que o Islã o oblitere, da mesma forma que obliterou outros antes dele.
Fonte: The Avalon Project

Líderes do Hamas até os dias de hoje expressam esse tipo de opinião:
Co-fundador do Hamas e atual ministro do exterior do governo do Hamas Mahmoud Al-Zahhar disse em 2010
"Nós estendemos nossas mãos para alimentar esses cães famintos e bestas selvagens, e eles devoraram nossos dedos. Nós aprendemos a lição -- não há lugar para vocês entre nós, e vocês não tem futuro entre as nações do mundo. Vocês estão dirigidos à aniquilação".

Cito outros dois, só pra não ficar dúvida:
Yunis Al-Astal, 2011: Os Judeus foram trazidos à Palestina para o 'Grande Massacre' com o qual Allah irá 'aliviar a humanidade de seu mal'.
Um sermão de 2010 televisionado pela televisão do Hamas: A aniquilação dos judeus será atingida pelos muçulmanos; A destruição de seu estado só será atingido através do islã, por aqueles que se curvam diante de Allah.

Finalmente, faltou dizer que os líderes do Hamas não querem nenhuma forma de acordo com Israel. Para terminar o conflito, teremos que dividir essa terra em dois, mas lemos o seguinte:

Ministro do Exterior Mahmoud Al-Zahhar, 2010: Nosso plano nesse momento é liberar cada centímetro de terra palestina, e estabelecer um estado ali. Nossa meta final é ter a Palestina inteira. Eu digo isso alto e claro para que ninguém possa me acusa de usar táticas políticas. Nós não reconheceremos o inimigo israelense.

Ministro do Interior e da Segurança Nacional Fathi Hammad, 2012: Portanto, deste lugar, nós declaramos a todos aqueles que usurparam nossas terras que eles devem se preparar a partir, porque nós nos preparamos para Jihad. Vocês vão embora, enquanto nós fomos chamados à batalha. Nós somos os donos desta terra. [...] Nós dizemos: não haja reconciliação com o secularismo. Não deve haver reconciliação com qualquer outro caminho que não o do islã.

Eu poderia ainda falar da doutrinação de crianças palestinas que crescem querendo ser mártires, ou mesmo a negação do holocausto no currículo escolar. Materiais não faltam, mas eu já cansei, procurem vocês que é fácil fácil de encontrar.

Se Noam Chomsky se sente confortável em deitar na cama com esse tipo de gente, be my guest. Em seu texto pecou pelo que não disse, e sua omissão foi estrondosa. É interessante como tantos da esquerda ao redor do mundo defendem o Hamas por ser o lado mais fraco do conflito. Daqui a poucas semanas em Porto Alegre o Fórum Social Mundial será dedicado à questão palestina. Quero ver quantas sessões serão dedicadas à ideologia e métodos do Hamas.

Eu me identifico com a esquerda israelense, e não me faltam críticas aos meus governantes. Só pra deixar o texto balanceado, lá vão algumas...

-Vi agora mesmo na TV uma frase do Ministro do Interior Eli Yishai: "O objetivo da operação é fazer Gaza voltar à idade média." Deve-se destruir a infra-estrutura de água, eletricidade, ruas, transporte e comunicação em Gaza. "Apenas então a terra se silenciará por 40 anos", citando o versículo bíblico de Juízes 3:11. "Depois que os habitantes de Tel Aviv quase levaram [um míssil] eles não vão reclamar."
Esse babuíno chamado Eli Yishai bem sabe sobre a idade média, como líder do Shas ele sonha em nos fazer todos voltar para lá...

Binyamin Netanyahu é uma das personalidades públicas mais asquerosas que conheço, e olha que conheço várias. Ele poderia ter feito grandes coisas nos últimos 4 anos, mas preferiu não nos levar a lugar algum no que diz respeito ao conflito (e em outros respeitos também). Não compro a ideia de que não tem com quem negociar. Não concordo com a construção nos assentamentos judaicos nos territórios ocupados. Sim, ocupados.

Agora que já critiquei todos os lados, termino dizendo que a internet nos dá incríveis possibilidades de ler e aprender sobre opiniões diversas. O problema é que muito poucos o fazem. Quase todos nós acabamos por nos encontrar em bolhas de amigos que pensam como nós, e que reforçam as nossas opiniões. Não concordo com a visão de mundo de Chomsky, mas foi bom ter lido o texto, e é sempre saudável ter suas opiniões testadas por outros. Gostaria sempre de receber críticas positivas ou negativas (sempre construtivas) de minhas opiniões.

Estudando em tempos de paz e de guerra

Minha esposa (Liat) é professora de artes em uma escola de ensino fundamental que fica numa cidade meia hora de carro ao norte de Beer Sheva. Compartilho com vocês um projeto super legal aqui de Israel, que introduz computadores e internet como ferramentas de ensino.

O nome do projeto pode ser traduzido como "Aprendizado a distância usando a computação no século 21". Cada professora da escola tem um laptop no qual prepara suas aulas e pode passar parte do conteúdo usando um projetor na própria sala de aula. Usos comuns são vídeos, imagens, sites de interesse, músicas, gráficos, etc. As professoras tem um site onde anotam o tema da aula e a lição de casa a se fazer, e dados sobre os alunos como presença, comportamento e se trouxeram os devidos materiais à aula.

Todos os alunos tem senhas para entrar no site da classe, onde podem acompanhar qual é a lição de casa a ser feita, participar de um fórum aberto de todos os alunos de sua classe com a professora, ou se quiserem podem mandar mensagens pessoais para a professora (professor homem não tem, uso mesmo o feminino). Nesse site da classe a professora tem a opção de fazer upload de trabalhos de casa e os alunos podem entregar trabalhos feitos de volta. Os pais dos alunos podem entrar no site e acompanhar o que se passa na classe.

Há um mês houve um treinamento nacional de "estudos em tempos de emergência". Os alunos foram mandados de volta para casa um pouco mais cedo que o normal e tinham que fazer uma lição que a professora havia posto no site da classe. Esse treinamento simulava como seria o contato entre professora e alunos quando as aulas são canceladas por motivos de segurança. Muito convenientemente (obrigado, Hamas) estamos em tempos de guerra, e todas as crianças do sul de Israel estão em casa. Obviamente o conteúdo que se aprende em um dia normal de escola não pode ser passado de forma virtual, mas isso ajuda a manter os alunos ainda conectados com a escola, e faz com que não esqueçam muito do que foi aprendido caso a permanência em casa seja prolongada, como parece ser o caso agora. Um outro benefício é que os alunos mantem contato entre si via o fórum e recebem apoio da professora, figura central do seu cotidiano.

O projeto é bastante mais amplo do que contei nas linhas acima, e me parece uma ferramenta excelente para os dias de hoje. Claro que a internet não garante em nada que a experiência de aprendizado do aluno seja mais "moderna". Muitas das professoras tem acima de 40 anos, e para elas a internet não é o mesmo que para os jovens. Uma professora que trabalha com minha esposa se vangloriou em contar que tocou em classe um video do youtube com uma poesia que estava ensinando em classe (uau, realmente revolucionário). Já a professora de inglês sabe usar bem melhor a internet, e faz questionários do Google Forms para os alunos responderem em casa, e recebe as respostas da lição de casa em uma planilha antes mesmo da aula seguinte começar.

Abaixo um video que exprime bem os desafios do uso da tecnologia em classe:


Israel tem o direito de se defender

“O principal objetivo da guerra é a paz” Sun Tzu
A doutrina da guerra justa é um modelo de pensamento e um conjunto de regras de conduta que define em quais condições a guerra é uma ação moralmente aceitável. Tomas de Aquino, um dos mais influentes teólogos e filósofos de todos os tempos, afirma que uma guerra é justa sempre que: (1) esta ocorra não por ganho próprio, mas por um bom e justo propósito (o exemplo dado é o do interesse nacional); (2) é travada entre duas ou mais autoridades institucionais; e (3) que tenha como motivo central a paz, mesmo em meio a violência. Se analisarmos essas três condições, não será difícil chegarmos a conclusão de que estamos diante de uma operação militar justificada (nos dois sentidos – de ser justa e entendível).

Israel tem o direito de se defender? Não, Israel tem o dever de se defender. Nossos governantes são eleitos para preservar a nossa segurança. Nossos impostos são investidos em inteligência e infra-estrutura militar. Nossa história nos mostra que não podemos (da noção de ‘ter o direito de’) nem devemos (‘ter o dever de’) esperar por ajuda externa para manutenção da ordem civil. A ação militar em Gaza é justificada, sem dúvida. No entanto, em meio as emoções que a guerra nos faz sentir, um pouco de razão e frio questionamento não faz mal a ninguém. A operação ‘Chumbo Fundido’ (2008) tinha como objetivo publicamente declarado trazer o Gilad Shalit de volta e desmantelar a estrutura do Hamas. Apesar de nenhum dos dois objetivos ter sido alcançado – Gilad Shalit foi solto em 2011 e o Hamas, como podemos ver, não foi neutralizado - a sensação foi de vitória. Uma vitória da ilusão, da paixão momentânea, do imediatismo político e do discurso militarista vazio. Uma vitória verdadeira não nos conduziria, quatro anos depois, a uma nova operação. Nesse contexto, cabe a pergunta: qual o objetivo da operação ‘Pilar Defensivo’? É a segunda etapa de um projeto militar de longo prazo? Se for, que seja a última; que o Hamas não tenha mais força para se reerguer enquanto grupo terrorista, que a tranqüilidade seja instalada em Gaza e no sul e centro de Israel. Entretanto, se essa não for a tão esperada última etapa acho cabível a reflexão sobre os meios adequados para chegarmos ao nosso objetivo final: a paz. Deveremos (no sentido de ‘ter o dever de’) buscar alternativas para solucionarmos essa situação insustentável; a diplomacia política é um meio razoável e tem sido efetivo ao longo da história.

Israel tem o direito e dever de usar todos os meios que estiverem ao seu dispor para obter a tão almejada segurança nacional. Um desses meios é a guerra; outro é a diplomacia. Ambos têm os mesmos objetivos: a restauração da ordem, a consolidação da justiça, e o estabelecimento da paz. Se um meio não se mostrar efetivo o outro deverá ser utilizado e vice-versa; o que não podemos é dar-nos o direito de nos tornarmos reféns dos meios, enquanto esquecemos dos fins. Mesmo que não publicamente declarado, espero que a operação ‘Pilar Defensivo’ alcance o objetivo que toda guerra tem; aquele que Tomas de Aquino percebeu há séculos atrás: uma paz duradoura.


* Este é o segundo guest-post de Bruno Lima. Ele é formado em ciência política e sociologia pela Universidade Hebraica de Jerualem, e atualmente é mestrando e pesquisador de ciência política pela mesma instituição.
email para contato: bruno.lima@mail.huji.ac.il

Friday 16 November 2012

Terror é...

Essa última onda de violência já causou a morte de 3 israelenses de Kiryat Malachi, atingidos por um foguete de Gaza. Dezenas de outros civis foram feridos até agora. Vale notar que o efeito do terror vai muito além de danos físicos. Listo abaixo algumas coisas que pensei, para ajudar a entender o que é viver sob perigo iminente. Alguns podem parecer banais, se comparados com morte, mas o meu argumento é que poucos são aqueles atingidos fisicamente pelo terror, a maior parte do dano vem de outra forma que não se lê a respeito nos jornais.

  • terror é guardar vários enlatados no quarto revestido de casa, pois as autoridades assim nos instruíram a fazer em caso de guerra prolongada.
  • terror é dormir de calça de flanela e não de cueca, pois a sirene pode tocar e terei de ver os vizinhos nas escadas do prédio.
  • terror é achar que uma moto na rua ou o grito de uma criança é a sirene, e ter o coração batendo forte em 1 segundo.
  • terror é andar pela rua pensando onde eu posso me jogar em caso de sirene.
  • terror é viajar de carro com minha filha bebê na cadeirinha no banco de trás, e pensar onde dá pra parar o carro em caso de sirene, e o que fazer com um bebê no colo no meio da rua, e um foguete no ar.
  • terror é ter uma bolsa pronta com as coisas mais importantes (documentos, dinheiro), para apressar a evacuação caso se faça necessário.
  • terror é a mãe abraçar a filha e sussurrar "vai ficar tudo bem", quando na verdade ela é que está tentando se convencer disso.
  • terror é ligar para alguém depois de um foguete cair para saber se está tudo bem, e ter de esperar 3 minutos para a chamada completar, pois todo o país resolveu usar o celular no mesmo segundo.
  • terror é ter de fugir da própria casa porque a sua cidade recebe foguetes sem parar.
  • terror é pensar nos familiares que estão nas cidades mais atingidas (Ashkelon por exemplo) e que não tem tempo sequer de tomar banho ou esquentar comida no microondas.
  • terror é ler no facebook um post de um amigo que às 2 da manhã pergunta se vale a pena ele ir dormir, pois os foguetes não param em Beer Sheva e não vale a pena deitar pra ter que levantar com a sirene e ir para as escadarias do prédio.
  • terror é usar a palavra "só" na seguinte frase: "Só 20 e tantos foguetes cairam nas cidades de Israel, dos mais de 300 lançados".
  • terror é fazer piadas sobre a situação quando me encontro com amigos, porque quando não se tem opção, é melhor rir que chorar.

The paradox of conditions

Publico abaixo um texto de um amigo meu de Israel, Bruno Lima. Ele é formado em ciência política e sociologia pela Universidade Hebraica de Jerualem, e atualmente é mestrando e pesquisador de ciência política pela Universidade Hebraica. Acho o texto muito bom, e concordo com o que diz.
email para contato: bruno.lima@mail.huji.ac.il

The paradox of conditions

Netanyahu has failed in his diplomatic project, if we consider there was one. Mahmoud Abbas introduced himself as the partner Israel has been searching for a long time to develop a lasting peace process; our prime minister did not seize the opportunity. The Israeli public got used to arguments as “we will not negotiate under pre-conditions” or “I am willing to dialogue, but we will keep building on occupied territory”. These sorts of argument make us believe that Netanyahu plays under the following rationale: “I want to discuss about my peace, but you insist on talking about your peace; this way, we will not reach an agreement.” In this sense, the prime minister has succeeded in imposing his conditions: “I do not negotiate under pre-conditions”; it may seem a simple word game, but it is within this governmental rhetoric that one can find the interests hidden from the public eyes. In fact, the ‘paradox of conditions’, as I call this phenomenon, has been the strategy adopted in order to avoid the so-expected true dialogue; a dialogue that requires political willingness and diplomatic skill – qualities that our prime minister apparently does not possess. As a result of this strategy the Israeli people is now facing a deadlock that presents itself as follows: “either I am on “their side”, accepting their conditions, or I am on “our side”, defending my interests fervently. What was supposed to be a dialogue turned into a conflict; a process that should have approximated the two sides make them even more distant; the similarities have been shadowed by sharp differences and the Israeli population did not hesitate standing on its prime minister’s side. Netanyahu imposed his condition of no pre-conditions and at the first sight won the battle.

In fact, the evasive rhetoric employed by Benjamin Netanyahu was capable of dissuading the popular imaginary of the peace process. In this way, the prime minister did exactly what we expected him to do: nothing. In four years of cadency, Netanyahu insisted on saying that only with national security the Israeli people can get peace; instead, what we have been seeing is the institutionalization of fear rather than of peaceful environment. In fact, currently we do not feel there are neither a viable peace process under way nor a stable national security in the long run. The paradox of conditions strategy was unquestionably a mistake; it was so because while security has no conditions, peace definitely has. For true peace the two sides need to agree at some point, and to do so they must forgo their egoistic interests for a greater cause. Netanyahu has not perceived this difference and turned a diplomatic process into a justified military operation; the current situation in Gaza is the outcome of an Israeli political continuum: our government does not want a Palestinian State. Along the last four years we have seen a little bit more of the same policies. Actually, it has become hard to believe that the Israeli society will refrain itself from imposing conditions for peace; what is not taken into consideration is the fact that without these conditions the people of Israel can get a better condition of life. I genuinely hope I am wrong, but I am just afraid that the laden phrase ‘the people of Israel lives’ will lose its meaning.

Thursday 15 November 2012

Apoio popular

A grande maioria da população de Israel apóia a operação em Gaza, mesmo que o preço seja centenas de foguetes e a interrupção da rotina em meio país. A população do sul já está farta de viver em constante medo. Não é só agora que caem foguetes, isso acontece ao longo do ano inteiro, principalmente em Sderot e nos kibutzim e moshavim ao redor de Gaza.

O objetivo da operação é aumentar consideravelmente o poder de dissuasão de Israel. Não encontrei uma boa tradução de הרתעה (hartaa) para o português, em inglês é deterrence, melhor que dissuasão, acho. A ideia é que no futuro o Hamas pense 10 vezes antes de lançar qualquer foguete, pois sabe que Israel está disposto a responder duramente.

Já ouvimos isso há quatro anos, o objetivo da operação Chumbo Fundido era a mesma. Funcionou? Na minha opinião, não.

Durante muitos meses houve calma na região, e parecia tudo bem. Aos poucos foguetes de curto alcance foram sendo mandados aos assentamentos em volta de Gaza, até que disparos esporádicos a Ashkelon, Beer Sheva e Ashdod eram considerados, se não aceitáveis, "coisas da vida".

Eu também apoio a operação do exército em Gaza. Apoio a destruição dos armazens de armas do Hamas e demais organizações, e apoio o assassinato seletivo dos líderes do Hamas. (Embora quando eu penso bem sobre o assunto, vejo a problemática envolvida em se matar pessoas que não foram julgadas e não tiveram o benefício do due process de um Estado de Direito. Minha opinião muda dependendo do humor, mas já está na hora de fechar os parênteses...) Sigo. Acho que a solução é dupla:
1) deterrence
2) diálogo com os palestinos, para a solução do conflito.
em suma: o bom e velho carrot and stick



O Hamas não é uma organização com a qual Israel pode dialogar. Pelo menos não hoje, não com os objetivos que eles tem. Por outro lado, Netanyahu não pode parar qualquer diálogo com a Autoridade Palestina por 4 anos e nos oferecer somente um tipo de solução (stick). Netanyahu nos fez um desserviço (na verdade vários, mas no que diz respeito ao tema em questão fico com apenas um), quem sabe o novo governo a se formar em poucos meses saiba balancear os músculos e o cérebro.

20 anos depois

Faz alguns minutos tocou sirene em Tel Aviv e todas as cidades ao redor, inclusive Givataim, onde estou agora. São poucos os detalhes, dizem que não houve feridos ou danos, tampouco se sabe o local de queda. Aliás, não se sabe se o foguete chegou ao chão ou foi atingido no ar pelo sistema de defesa.

As informações não são divulgadas para que os terroristas de Gaza, que certamente estão acompanhando os noticiarios israelenses, possam saber se o míssel foi bem sucedido e assim calibrar futuros foguetes.

Desde a Guerra do Golfo as sirenes de Tel Aviv não soam alertando perigo. Isso é certamente um marco na história do conflito. Ontem o exército de Israel conseguiu destruir um armazém de mísseis de longo alcance do Hamas, e os analistas na TV dizem que restam pouquíssimos mísseis de longo alcance. Mesmo assim poucos mísseis bastariam para paralizar metade do país.

Aqui no apartamento em Givataim não tem "mamad" (quarto protegido), então as orientações são ir para a parte mais interna do edifício, que é onde o elevador e escadas ficam. Abaixo um registro da minha família nas escadas, foto tirada há 1 hora, enquanto a sirene tocava.

[Yaara-filha, Liat-esposa, Doris-sogra, Lilach-cunhada]

No tempo que me levou escrever estas linhas, tocou sirene quatro vezes em Beer Sheva, e outras tantas em várias outras cidades. Os mísseis continuam chovendo por aqui. São 250 desde ontem.

Foguetes

Fui ver depois na TV imagens dos 10 foguetes lançados à Beer Sheva. Abaixo um vídeo que achei no youtube.


A sirene tocava, parava um pouco e seguia a tocar. O sistema de defesa Domo de Ferro lançou anti-mísseis, e as explosões podem ser vistas no vídeo.

Os foguetes seguiram a ser lançados durante a noite para todas as cidades em volta de Gaza. Cerca de um milhão de pessoas vivem na área de risco, e nem todos tem família em outros lugares ou até mesmo um quarto protegido como o que temos em nosso apartamento.

Hoje de manhã um foguete atingiu um prédio em Kiryat Malachi, matando 3 pessoas e ferindo outras tantas.

Malas feitas

Agarramos nossa maior mala e começamos a jogar tudo o necessário para nós 3 passarmos os próximos dias no centro do país, longe dos foguetes. Quando estava tudo arrumado, desci sozinho para jogar o lixo fora. Encontrei lá em baixo um outro cara da física que mora no prédio colado ao meu, ele também com um saco de lixo na mão.

Eu: - Ah, é você?
-Se preparando para ir embora? Nós já estamos de saída.
-Pra onde?
-Pra casa dos pais da minha mulher, em Nes Tziona. E vocês?
-Pra casa da minha sogra em Givataim.
-A cidade está esvaziando rápido agora. Bom, tenho que ir!
-Se cuida, até mais.

Dois maridos e pais indo jogar o lixo fora antes de ter que fugir de sua própria casa. Que coisa doida.

Não tinha tanta gasolina no carro, mas quem quer entrar em um posto de gasolina com foguetes caindo a qualquer hora? Em menos 1 hora de viagem ao norte já estávamos no posto de gasolina da estrada, além do alcance dos foguetes. Mais alguns minutos e chegamos em Givataim, recepcionados pela avó da minha filha que estava com o coração na mão até chegarmos.

Pretendemos passar os próximos dias aqui no centro e ver o que acontece. Ninguém sabe quanto tempo vai levar isso, então vamos ficando...

Reitor

Um amigo publicou essa foto no facebook ontem, com a legenda:
A situação certamente está ruim quando o próprio reitor da universidade anda por aí e evacua estudantes da universidade!!
המצב בהחלט גרוע כשרקטור האוניברסיטה מסתובב בכבודו ובעצמו ומפנה סטודנטים מהאוניברסיטה!!

O bicho tá pegando


Mais de um ano depois do último post, volto à ativa. Ontem de tarde começou uma operação militar do exército de Israel com o assassinato do "chefe do estado maior" do Hamas, Hamas Ahmed al-Jaabari.

Eu estava na universidade indo com o meu orientador para uma das secretarias. Tocamos a campainha, batemos na porta e nada, ninguém abre. Depois de vários minutos vem alguém lá de dentro e diz: "Ué, vocês estão fazendo o que aqui? Nos mandaram evacuar a universidade!"

Assim fiquei sabendo que algo sério já estava acontecendo. A Liat (esposa) me ligou e contou dos últimos acontecimentos, me urgindo para ir logo para casa. Ainda voltei com o meu orientador para a sala dele e ficamos conversando, não achava que seria assim grave.

Fiquei então sabendo que a universidade inteira havia cancelado todas as suas atividades, assim rápido. Apesar disso várias pessoas ainda circulavam por lá, afinal de contas já estamos acostumados com essa situação, o que já pode ser? Vi os meus colegas da física e perguntei se eles não iriam pra casa por causa da guerra, e a resposta foi um riso como se eu tivesse contado uma piada...

Voltei pra casa umas 18:30, vi na TV tudo o que estava acontecendo. O comentarista disse que a partir das 20:00 o Hamas poderia começar o seu contra-ataque. Comentei com desdém: "como ele pode saber que justo às 8? esse pessoal só inventa..."

Batata. 20:02 toca a sirene e lá vamos nós para o quarto de segurança de casa. Desta vez uma diferença em relação ao passado -- tinha minha filha de 8 meses no colo. Normalmente a sirete toca por uns 40 segundos e depois ficamos em silêncio esperando o bum. Desta vez ela tocou umas 4 vezes seguidas, e enquando tocava escutávamos vários buns, todos juntos. No total foram 10 foguetes. Ficamos mais alguns minutos lá dentro e saímos do quarto de segurança, para arrumar a mala e picar a mula. Não deu 5 minutos outra sirente. Bebê no colo, fecha-se a porta, mais buns. Saímos novamente, passam outros 5 minutos e mais sirene. Nessa hora estamos arrependidos que não levamos tão a sério e não saímos do Sul antes.